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Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) Nº 1001783-60.2024.4.01.3506/GO
RELATOR: Juiz Federal JOÃO CARLOS CABRELON DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de pedido de uniformização nacional interposto pela parte autora em face de acórdão proferido pela 2ª Turma Recursal de Goiás que negou provimento a seu recurso inominado, mantendo a sentença de improcedência do pleito de concessão de benefício por incapacidade.
Alega que o acórdão recorrido diverge de julgado da 10ª Turma Recursal de São Paulo.
Sustenta que as contribuições previdenciárias recolhidas sob o código errado podem ser utilizadas para fins de qualidade de segurado e carência, tratando-se de mera irregularidade que não impede o recebimento dos valores pelo erário.
Sem contrarrazões.
O incidente nacional foi admitido na origem e pela Presidência da TNU, sendo distribuído à minha relatoria.
É o breve relatório.
VOTO
A controvérsia aqui colocada diz respeito à possibilidade de reconhecimento, para fins de qualidade de segurado e carência, das contribuições previdenciárias recolhidas sob o código errado.
O acórdão recorrido entendeu pela impossibilidade de aproveitamento dessas contribuições, conforme trecho abaixo citado (grifo no original):
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. HOMEM. 64 ANOS. VIGIA. PORTADOR DE OUTRAS GONARTROSES PRIMÁRIAS, TRANSTORNOS INTERNOS DOS JOELHOS E DOR ARTICULAR. NÃO CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA APÓS O REINGRESSO NO RGPS. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA IMPROCEDENTE MANTIDA. RECURSO DA PARTE AUTORA NÃO PROVIDO.
1. Trata-se de recurso interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente a pretensão autoral, ao fundamento de que, na data de início da incapacidade, não havia qualidade de segurado.
2. Alega o recorrente que busca uma aposentadoria por incapacidade e que é irrelevante se os recolhimentos das contribuições foram realizadas na alíquota de 11% sobre o valor do salário mínimo vigente à época. Sustenta que as competências mencionadas (02/2020, 03/2022, e de 04/2023 a 10/2023) não foram pagas em valor inferior ao limite mínimo mensal, na verdade houve um lapso apenas em relação ao código de contribuição utilizado ao efetuar os pagamentos, pois se utilizou do código 1007, na alíquota de 20%, em vez de 1163 na alíquota desejada de 11%. Sustenta que a jurisprudência pátria não penaliza o segurado de boa-fé por um simples equívoco com relação ao código de pagamento.
3. Sem razão o recorrente. Observa-se que o autor contribuiu utilizando o código 1007. Assim, teria que contribuir com a alíquota de 20% do salário mínimo vigente à época. No entanto, contribuiu com a alíquota de 11%, logo, as contribuições estão abaixo do mínimo e não geram carência. Ademais, como bem destacou a sentença, uma vez verificada pendência no processamento do requerimento de auxílio-doença, ou mesmo seu indeferimento pela não consideração de recolhimentos efetuados em valor inferior ao mínimo, é ônus do segurado obter informações junto ao INSS a fim de realizar a complementação das competências pendentes, por meio de uma das possibilidades deferidas pela legislação. No caso em análise, tal providência não foi tomada em sede de cumprimento de exigências ou mesmo por meio de recurso administrativo. Sendo assim, forçoso reconhecer a desconsideração das competências posteriores a 02/2020 para fins de cômputo de carência e manutenção da qualidade de segurado, em razão de terem sido recolhidas abaixo do valor mínimo e não ter ocorrido a complementação, o que resulta na perda da qualidade de segurado na data do fato gerador (27/10/2023).
4. Recurso da parte autora a que se nega provimento. Sentença mantida.
O aresto paradigma, prolatado pela 10ª Turma Recursal de São Paulo no Processo 0011544-08.2015.4.03.6315 (, p. 11-16), trata a questão de forma diversa. Confira-se a ementa:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO. SEGURADO FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. CONTRIBUIÇÃO RECOLHIDA SOB O CÓDIGO ERRADO. IRREGULARIDADE FORMAL. VALORES CORRETOS. RECONHECIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PARA FINS DE COMPROVAÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO E CARÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
Colaciono, agora, trecho do voto condutor do julgamento (grifo no original):
Caso concreto. A perícia judicial realizada em 18/03/2016, por especialista em cardiologia, constatou que a autora, 66 anos, com estudo até 2ª série do ensino fundamental, diarista (faxineira), apresenta cardiopatia grave (doença arterial), com área de perda celular e substituição de tecido miocárdico por fibrose e angina estável classe funcional II atual, refratária ao tratamento medicamentoso. O perito esclareceu que a referida enfermidade incapacita a autora de forma total e permanente para o trabalho. A data de início de incapacidade foi fixada em 06/12/2007, quando realizado o cateterismo cardíaco.
A CTPS juntada em 12/01/2016 (evento nº 12) e a consulta ao CNIS juntada em 27/06/2016 (evento nº 23) demonstram que a autora manteve vínculos empregatícios nos períodos de 16/01/1974 a 15/04/1975 (Perlex produtos Plásticos Ltda.), e de 06/04/1976 a 25/03/1978 (Indústria Metalúrgica Datti Ltda.). Retornou ao RGPS em novembro de 2005, na qualidade de segurada facultativa, recolhendo contribuições ininterruptamente até 31/03/2016. Em seguida, manteve vínculo empregatício na função de empregada doméstica no período de 01/04/2016 a 15/06/2016.
Na consulta ao CNIS juntada aos autos em 19/04/2017 (evento nº 33) consta que os recolhimentos foram realizados corretamente até 03/2007. As contribuições recolhidas de 04/2007 a 06/2013 e na competência de 08/2013 apresentam o indicador “PREC -MENOR - MIN”, que significa “recolhimento abaixo do valor mínimo”. Na competência de 07/2013 e no período de 09/2013 a 03/2016, os recolhimentos aparecem com o indicador “IREC-LC123”, que significa “Recolhimento no Plano Simplificado de Previdência Social (LC 123/2006)”.
Verifica-se, ainda, por mera conta aritmética, que a autora efetivou o recolhimento das contribuições previdenciárias à alíquota de 20% sobre o salário mínimo de 11/2005 a 03/2007, reduzindo a alíquota para 11% a partir de 04/2007. Trata-se da alíquota aplicável ao segurado facultativo que opta por não receber o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
As guias de recolhimento referentes a essas contribuições com alíquota reduzida (cf. guias juntadas aos autos em 07/06/2016, evento 21) demonstram que a autora continuou a utilizar o código de pagamento “1406”, quando o correto seria utilizar o código “1473”. Note-se que o próprio INSS reconheceu sua condição de segurada facultativa que opta por não receber o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, pois não há pendências no CNIS em relação às contribuições vertidas a partir de 01/09/2013, apesar de também apresentarem alíquota reduzida.
Assim, não obstante recolhidas sob o código errado, as contribuições vertidas no valor correto no período de 04/2007 a 06/2013 e na competência de 08/2013 devem ser reconhecidas para fins de qualidade de segurado e carência, uma vez que os valores devidos foram, de qualquer modo, pagos ao erário e a irregularidade é apenas formal.
Dessa forma, a autora possuía qualidade de segurada e carência na data de início de incapacidade fixada pelo perito, fazendo jus, portanto, à concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, nos termos da sentença.
Demonstrada a divergência, passo à análise do mérito recursal.
Para solução da controvérsia, não se mostra essencial a verificação da efetiva ocorrência de erro no preenchimento, pelo segurado, do código de recolhimento da contribuição previdenciária, mesmo porque a discussão a respeito da efetiva existência ou não de equívoco do segurado no preenchimento da guia de recolhimento perspassaria, necessariamente, pelo reexame de matéria de fato, o que é vedado em incidente de uniformização.
O que realmente importa, para a solução da controvérsia, é a identificação da possibilidade de aproveitamento, para fins de manutenção da qualidade de segurado e para cômputo como carência, de recolhimentos de contribuição em alíquota diversa daquela prescrita para o código informado na respectiva guia, de 20% (vinte por cento) do salário de contribuição, quando o valor efetivamente recolhido corresponde a 11% (onze por cento) do salário de contribuição.
Este Colegiado já teve oportunidade de fixar tese, no julgamento do Tema nº 349, no sentido de que o recolhimento a menor em valor inferior ao mínimo mensal da categoria, à míngua de previsão legal, não impede o reconhecimento da qualidade de segurado obrigatório.
De plano, verifico que essa tese aproveita à parte autora, que procedeu ao recolhimento como contribuinte individual sob a alíquota de 11% (onze por cento), reservada àqueles que optam pelo plano simplificado da Previdência Social (código 1163), e não mediante aplicação da alíquota de 20% (vinte por cento), relativa ao código 1007, aposto nas respectivas guias de recolhimento.
Vale dizer: mesmo na hipótese de ter havido recolhimento a menor das contribuições previdenciárias pela parte autora, na condição de contribuinte individual, estaria mantida sua qualidade de segurado no período em discussão, por força da incidência do Tema nº 349 no julgamento deste incidente.
Remanesce, contudo, a controvérsia a respeito do aproveitamento dessas contribuições para efeito de carência, questão não solvida no Tema nº 349.
Pois bem, a Lei nº 8.212/91, em seu art. 21, prevê várias alíquotas diferentes para o recolhimento das contribuições pelo segurado contribuinte individual que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado, e segurado facultativo, dentre elas de 11% e de 20%.
A diferença entre ambas as alíquotas reside no fato de que, optando pela alíquota de 11%, o segurado contribuinte individual ou facultativo não poderá computar o respectivo tempo de contribuição para futura concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Não obstante, o recolhimento efetuado pelo segurado contribuinte individual ou facultativo, em quaisquer dessas duas alíquotas, garante-lhe cobertura previdenciária para diversos outros eventos, dentre eles incapacidade e morte.
Por consequência, o recolhimento da contribuição previdenciária pelo segurado contribuinte individual ou facultativo, tanto na alíquota de 11% como na alíquota de 20%, incidentes sobre o salário de contribuição, revela-se como condição suficiente para que tal contribuição seja computada como carência, para a finalidade de obtenção de benefício por incapacidade.
Assim, concluo que, diante de eventual equívoco no preenchimento do código das respectivas guias de recolhimento da contribuição previdenciária, não há efetivo empecilho para sua validação, para fins de manutenção da qualidade de segurado e, mais importante, para fins de carência.
Pensar o contrário equivaleria a adotar uma posição estritamente formalista, negando-se ao segurado facultativo ou contribuinte individual, que recolheu contribuições sobre alíquota que lhe garante a concessão, preenchidos os demais requisitos, de benefício por incapacidade, a concessão desse benefício, sob o único fundamento de equívoco no preenchimento do código adequado da respectiva guia de recolhimento. Essa interpretação se afastaria da finalidade eminentemente protetiva do sistema previdenciário.
Lembro que a TNU, no julgamento do Tema nº 359, autorizou a complementação de recolhimentos não validados efetuados na condição de segurado facultativo de baixa renda, de forma a viabilizar a manutenção de sua qualidade de segurado e o cômputo da carência, para fins de concessão do benefício por incapacidade.
A situação desse segurado, que recolhe contribuições mediante alíquota diferenciada mesmo não preenchendo os requisitos para se enquadrar na condição de segurado facultativo de baixa renda, afigura-se bem mais gravosa do que a do segurado que recolhe contribuições em alíquota que lhe é própria, mas que comete simples equívoco no preenchimento da guia de recolhimento.
Destaco que, no caso aqui discutido, sequer se apresentaria a hipótese de se exigir a complementação das contribuições, pois, repita-se, o recolhimento de contribuição na alíquota de 11% (onze por cento) já garante ao segurado contribuinte individual, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado, ou ao segurado facultativo, o cômputo desses recolhimentos para fins de manutenção da qualidade de segurado e para cômputo como carência, quanto à pretensão de concessão de benefício por incapacidade.
Assim, deve-se determinar o retorno dos autos à Turma Recursal de origem, para que, afastada a premissa anteriormente adotada, promova novo julgamento à luz da premissa aqui estabelecida, nos termos da Questão de Ordem 20 da TNU:
Se a Turma Nacional decidir que o incidente de uniformização deva ser conhecido e provido no que toca a matéria de direito e se tal conclusão importar na necessidade de exame de provas sobre matéria de fato, que foram requeridas e não produzidas, ou foram produzidas e não apreciadas pelas instâncias inferiores, a sentença ou acórdão da Turma Recursal deverá ser anulado para que tais provas sejam produzidas ou apreciadas, ficando o juiz de 1º grau e a respectiva Turma Recursal vinculados ao entendimento da Turma Nacional sobre a matéria de direito.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização interposto pela parte autora, para determinar o retorno dos autos à Turma Recursal de origem, a fim de que esta promova a adequação do julgado à premissa aqui estabelecida.
Documento eletrônico assinado por JOÃO CARLOS CABRELON DE OLIVEIRA, Juiz Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproctnu.cjf.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 900000297903v19 e do código CRC c20daaf5.
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