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Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) Nº 0500120-68.2021.4.05.8311/PE
RELATORA: Juíza Federal LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO
RELATÓRIO
A PARTE AUTORA interpôs o presente Pedido de Uniformização Nacional de Interpretação de Lei contra o acórdão da 3ª Turma Recursal de Pernambuco, que negou provimento ao seu Recurso, mantendo a sentença que julgou improcedente a concessão do benefício por incapacidade permanente em razão da ausência da qualidade de segurado quando do início da incapacidade.
Entendeu a Turma de origem que o período em que a autora recebeu auxílio-doença não pode ser computado como contribuição para fins de prorrogação do período de graça, nos termos do art. 15, § 1º, da Lei nº 8.213/91, que prevê hipótese de extensão do referido período para até 24 meses se o segurado já tiver pago mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado (evento 9).
No ponto, consta do acórdão recorrido:
“(...)
No caso concreto, a parte autora teve seu benefício cessado em 01/08/2018, tendo a nova incapacidade sido fixada em DII em 26/10/2020, ultrapassando, assim, o período de graça de 12 meses. Sem embargo, alega possuir mais de 120 contribuições sem a perda da qualidade de segurado no período entre 1994 e 2005, data em que foi aposentada por invalidez. Sobre tal ponto, este juízo verificou que, a partir da competência 9/1993 até a competência 02/2005, foram vertidas 104 contribuições, número inferior ao necessário para estender o período de graça para 24 meses. Frise-se que, ao número de contribuições, não pode ser somado período que a autora recebeu auxílio-doença para fins de prorrogação do período de graça. Entendo que a tal período só poderia ser contabilizado para fins de carência ou tempo de contribuição, mas, em nenhuma hipótese, para outras finalidades. (...)” grifos nossos
Sustenta a parte autora, nas razões do Pedido de Uniformização, evento 12, que “na contramão do entendimento da Turma Recursal de Pernambuco, a Turma Recursal de Santa Catarina entende devido a utilização de período de auxílio-doença para fins de contagem das 120 contribuições exigidas no artigo 15, § 1º da lei 8.213/91.”. Consta do acórdão paradigma:
“(...)
Segundo entendimento uniformizado na TRU, o período em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade é computado para efeito de carência, quando intercalado com contribuições. (...)Aliás, isso ocorre porque o segurado fica impedido nesse período de trabalhar e efetuar contribuições. O mesmo entendimento se aplica para o implemento das 120 contribuições necessárias para a extensão do período de graça de que trata o art. 15, §1º, da Lei 8.213-91. No caso dos autos, a sentença considerou que após o período de gozo de benefício por incapacidade (21/08/2015 24/02/2017) a autora verteu outras contribuições para o RGPS. Dessa forma, não se vislumbram motivos para a reforma da sentença recorrida.” (grifos nossos)
Pede a reforma do julgado com o reconhecimento da “... possibilidade da contagem do auxílio-doença intercalado para fins de contagem das 120 contribuições referente a prorrogação do período de graça (art. 15, §1º, da Lei 8.213-91).
Em juízo preliminar de admissibilidade recursal, o Pedido de Uniformização foi inadmitido na origem, tendo sido interposto Agravo, o qual, ao final, foi dado provimento com a admissão do Incidente de Uniformização e a determinação de remessa, via distribuição, a um dos membros deste Colegiado.
Este Colegiado em sessão virtual realizada em 01/08/2024 a 07/08/2024 afetou o presente incidente como representativo de controvérsia, sob o Tema 365: “Saber se é possível considerar o período de gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) intercalado para o cômputo das 120 (cento e vinte) contribuições necessárias à prorrogação do período de graça, previsto no art. 15, § 1º, da Lei nº 8.213/91.”
Publicado os editais, foram admitidos como amicus curiae INSTITUTO DE ESTUDOS PREVIDENCIÁRIOS – IEPREV (NÚCLEO DE PESQUISA E DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS; o INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO – IBDP; e a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, que apresentaram manifestações.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do Pedido de Uniformização ao fundamento de não ter sido realizado o devido cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma apontado.
O INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL apresentou memorais sugerindo a fixação da seguinte tese: “Não é possível considerar o período de gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) intercalado para o cômputo das 120 (cento e vinte) contribuições necessárias à prorrogação do período de graça, previsto no art. 15, § 1º, da Lei nº 8.213/91"
É o Relatório.
VOTO
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. QUALIDADE DE SEGURADO. PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA. CÔMPUTO DO PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE INTERCALADO. COMPATIBILIDADE COM A SÚMULA 73 DA TNU E COM OS TEMAS 1125 DO STF E 998 DO STJ. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA. RECURSO PROVIDO.
O presente recurso foi afetado como representativo para dirimir a seguinte controvérsia: Saber se é possível considerar o período de gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) intercalado para o cômputo das 120 (cento e vinte) contribuições necessárias à prorrogação do período de graça, previsto no art. 15, § 1º, da Lei nº 8.213/91.
A divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma restou devidamente demonstrada no acórdão que propôs a afetação e foi acolhido por este Colegiado.
Enquanto o acórdão de origem entendeu não ser possível o cômputo, como de contribuição, do período de auxílio-doença intercalado para fins de prorrogação do período de graça, nos termos do art. 15, § 1º, da Lei nº 8.213/91, que prevê hipótese de extensão do referido período para até 24 meses se o segurado já tiver pago mais de 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado, o acórdão paradigma (processo nº 5016388-56.2020.4.04.7205/SC; 1ª Turma Recursal de Santa Catarina) reconheceu a possibilidade do auxílio-doença intercalado integrar tal contagem como de efetiva contribuição.
No ponto, ressalte-se que a eventual alteração de entendimento por parte da Turma Recursal paradigma não representa óbice ao conhecimento e julgamento do pedido de uniformização pela Turma Nacional de Uniformização (TNU), porquanto o objeto do incidente não é a estabilidade da posição daquela turma em si, mas sim a existência de interpretações divergentes sobre uma mesma questão de direito federal, aptas a gerar insegurança jurídica e tratamento desigual a jurisdicionados em situações idênticas.
No caso, restou evidenciado, no julgamento por este Colegiado que afetou como representativo o presente incidente, a existência de controvérsia jurídica relevante, dotada de potencial efeito multiplicador.
A lógica do incidente parte da premissa de que, em um sistema processual marcado por forte litigiosidade em massa, a função jurisdicional deve ir além da resposta meramente individualizada e assumir papel estruturante na equalização de entendimentos e na racionalização da prestação jurisdicional.
Permitir que eventual superação da tese pela Turma paradigma inviabilize a análise de mérito pela TNU em um representativo de controvérsia significaria frustrar a finalidade da uniformização, perpetuando a fragmentação interpretativa entre os diversos órgãos do microssistema dos Juizados Especiais.
Portanto, deve prevalecer o interesse público da coletividade na definição de uma tese jurídica clara e replicável, apta a orientar julgamentos futuros e a reduzir a litigiosidade sobre a matéria. A prevalência desse interesse sobre o resultado pontual de um único recurso reflete, com exatidão, a missão institucional da TNU de garantir segurança jurídica, isonomia material e efetividade processual.
Passemos à análise da controvérsia.
Discute-se neste recurso inominado a possibilidade jurídica de computar, para fins de prorrogação do período de graça previsto no § 1º do art. 15 da Lei nº 8.213/91, o período em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), desde que intercalado entre períodos de contribuição ao RGPS.
O período de graça é o prazo durante o qual o segurado do INSS mantém a qualidade de segurado mesmo sem contribuir, garantindo acesso a benefícios após cessarem as contribuições. Conforme o art. 15, inciso II, da Lei 8.213/91, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada mantém a qualidade por 12 meses após a última contribuição. Além disso, o §1º do art. 15 prevê uma prorrogação desse prazo por mais 12 meses caso o segurado “já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado”. Em outras palavras, quem possui 120 contribuições contínuas (sem perda de cobertura) faz jus a um período de graça estendido de mais 12 meses (totalizando 24 meses).
A controvérsia surge ao se definir o que conta como 120 contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Especificamente, discute-se se meses em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), intercalados entre períodos contributivos, podem ser computados nessas 120 contribuições exigidas para a prorrogação do período de graça. Essa questão ganhou relevância prática porque, durante o benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença), o segurado não recolhe contribuições, embora mantenha a qualidade de segurado (art. 15, I, da Lei 8.213). Assim, deve-se responder: o tempo em benefício por incapacidade, entre contribuições, conta como “contribuições pagas” para atingir os 120 meses?
O juízo de origem adotou interpretação estritamente literal da expressão "pago mais de 120 contribuições", afastando da contagem os períodos em benefício, mesmo que estes estejam entrelaçados com contribuições anteriores e posteriores, desconsiderando o vínculo material e a continuidade jurídica da filiação do segurado ao regime geral.
A interpretação literal do termo “pago” não se sustenta diante do arcabouço jurisprudencial e principiológico do Direito Previdenciário. O período de benefício por incapacidade, quando intercalado, é tratado pela jurisprudência como tempo de contribuição para os mais diversos fins.
A Súmula nº 73 desta Turma Nacional de Uniformização é clara e objetiva:
"O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social."
O Supremo Tribunal Federal, no Tema 1125 da repercussão geral, conferiu chancela constitucional ao entendimento que valida o cômputo do período em benefício intercalado como carência:
“É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa.”
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, no julgamento do Tema 998, fixou entendimento de que o período de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença) intercalado pode ser computado como tempo especial:
"O Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.”
Na oportunidade, restou assentado pela Corte Cidadã que os benefícios por incapacidade têm por finalidade a proteção social por risco não programado, ocasionado ao contribuinte, tratando-se de prevenção ao evento fortuito que resulta na incapacidade para o exercício de atividade laboral que lhe garantia o sustento.
O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator no Recurso Especial nº 1.759.098/RS, objeto do tema 998, sintetizou com clareza a obrigação hermenêutica dos julgadores previdenciários ao afirmar, em essência, que a atividade jurisdicional no campo previdenciário não pode se curvar ao formalismo da lei escrita, pois a função do julgador é garantir a proteção social efetiva, antecipando-se ao dano, internalizando o risco e assegurando máxima eficácia à norma protetiva.
A jurisdição previdenciária deve ser exercida sob um viés humanista, e não formalista, como bem salientado, na ocasião, pelo Ministro: “... o esperável da atividade judicante é que restaure visão humanística do Direito, que foi destruída pelo positivismo jurídico”
No voto condutor do referido julgamento, o Ministro Relator Napoleão deixou consignado:
“Na jurisdição previdenciária não deve prevalecer o pensamento redutor da justiça à lei escrita e ao seu cumprimento fiel ou literal, carregado de certezas formais. E mais do que de certezas formais, esse pensamento é cheio de oposições às ideias opostas e verdadeiramente intolerante à inovação metodológica que vise a incluir no conceito de Direito – e, consequentemente, de justiça – elementos que estejam fora ou além dos dizeres das leis positivadas. Essa formidável resistência da formação juspositivista dos juristas e dos julgadores criou categorias positivas e semi-positivas para tentar conter dentro das premissas do pensamento positivista as poderosas ideias emergentes que puseram em xeque os saberes jurídicos tradicionais. A docência do Direito, o estudo das suas fontes e o processo de sua aplicação na solução de litígios jurídicos se submeteram, igualmente, a essa mesma redução. 16. Não se pode olvidar a reflexão do Magistrado americano Benjamim Cardozo, ao afirmar que é a busca incessante da justiça o que nos faz julgadores e não a aplicação servil da lei. Esse seu pensamento é propício à justa interpretação no Direito Previdenciário, em que a busca da justiça é o único paradigma interpretativo que pode ser aceito.”. (grifos nossos)
A proteção social não pode ser denegada ao segurado que, já fragilizado por uma moléstia involuntária, é colocado à margem do sistema pela simples ausência de contribuição ativa durante o afastamento. O verdadeiro papel do juiz previdenciário é restaurar a centralidade da justiça material, impedindo que o afastamento legalmente justificado gere novas vulnerabilidades. Nesse contexto, a literalidade não pode servir de escudo para a exclusão do período em benefício, que deve ser considerado como juridicamente equivalente à contribuição, tal como já o é para fins de carência, tempo especial e tempo de contribuição.
Com efeito, negar validade ao período de afastamento por incapacidade como tempo juridicamente relevante equivale a punir o segurado duas vezes: pela doença que o acometeu e pela desconsideração do vínculo que manteve com o sistema.
Em razão de tanto, proponho a fixação da seguinte tese, sob o Tema 365:
“É possível o cômputo do período de gozo de benefício por incapacidade temporária, intercalado entre contribuições, para fins de aferição das 120 contribuições mensais exigidas para prorrogação do período de graça, nos termos do art. 15, § 1º, da Lei nº 8.213/91”.
Dispõe a Questão de Ordem 20 desta TNU:
“Se a Turma Nacional decidir que o incidente de uniformização deva ser conhecido e provido no que toca a matéria de direito e se tal conclusão importar na necessidade de exame de provas sobre matéria de fato, que foram requeridas e não produzidas, ou foram produzidas e não apreciadas pelas instâncias inferiores, a sentença ou acórdão da Turma Recursal deverá ser anulado para que tais provas sejam produzidas ou apreciadas, ficando o juiz de 1º grau e a respectiva Turma Recursal vinculados ao entendimento da Turma Nacional sobre a matéria de direito.”
Diante de todo o exposto, voto por DAR PROVIMENTO AO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO para, nos termos da Questão de ordem nº 20 desta TNU, anular o acórdão proferido pela Turma de origem a fim de que seja observada a tese ora fixada. É o Voto.
Documento eletrônico assinado por LILIAN OLIVEIRA DA COSTA TOURINHO, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproctnu.cjf.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador 900000298559v4 e do código CRC dd0e9c67.
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